Brasil: milagre do crescimento com a família real portuguesa
A simples presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro já promovia o desenvolvimento do Brasil. Mas abriram-se estradas, surgiram fábricas, criou-se um banco...
André Luis Mansur | 01/03/2008
Era um miserê de dar dó o Brasil que a família real conheceu em
janeiro de 1808, ao desembarcar em Salvador. Subdesenvolvida e sem a
mínima infra-estrutura, a colônia não tinha mudado muito desde que as
primeiras feitorias foram instaladas, no século 16. O território era
imenso, mas não passava de uma fazenda extrativista. Daqui, Portugal
tirava quase todo o seu sustento.
Mesmo para a corte parasita e cheia de corruptos que dom João trouxe a
tiracolo, o Brasil não parecia digno de se tornar a sede da monarquia
portuguesa. Era preciso mudar o estado das coisas, e rápido. Afinal, o
príncipe regente tinha chegado para ficar, não tinha a menor idéia de
quando poderia voltar à Europa. Suas prioridades ao pisar na colônia só
poderiam ser as óbvias: criar condições de vida para a corte e
mecanismos que permitissem governar todo o império a partir de sua nova
capital, o Rio de Janeiro.
A família real desembarcou depois de uma viagem difícil pelo Oceano Atlântico.
FIM DO PACTO
Logo de cara, uma semana depois de desembarcar em Salvador, dom João
abriu os portos brasileiros às nações amigas. Era o fim do Pacto
Colonial – o Brasil estava liberado para manter comércio com outros
países, sem a interferência portuguesa.
Em março de 1808, já instalado no Rio de Janeiro, o príncipe regente
liberaria também a criação de fábricas, proibida desde 1785. Quatro anos
mais tarde, uma pequena siderúrgica já estava funcionando na colônia.
Em 1820, outra seria inaugurada. “Era um embrião de indústria, que
enfrentava a competição de produtos baratos que vinham da Inglaterra.
Mas foi o primeiro passo”, diz Renato Marcondes, professor de História
Econômica da Universidade de São Paulo (USP).
Dom João também deu um jeito na Justiça brasileira. Depois de 300
anos com um sistema judiciário bastante limitado, foi instalada na
colônia a Casa de Suplicação – uma espécie de Supremo Tribunal do
império, instância mais alta da Justiça portuguesa. Dali em diante,
qualquer disputa judicial, por mais poderosos que fossem os envolvidos,
poderia ser resolvida na própria colônia.
Outra invenção importante do príncipe regente foi o Banco do Brasil.
Essa, porém, não deu tão certo quanto as outras, pelo menos em seus
primeiros anos de vida. Embora tenha lançado por aqui as fundações de um
sistema financeiro, o banco era fraco e ninguém acreditava muito nele.
Funcionava apenas como gerenciador de depósitos e, principalmente, como
casa da moeda. O dinheiro emitido não tinha lastro. Prestava-se,
sobretudo, a financiar os gastos do governo e da corte. A instituição
era tão desacreditada, que tudo custava mais caro se o pagamento fosse
em dinheiro. Quando dom João voltou para Portugal, em 1821, levando toda
a grana dos cofres, o Banco do Brasil simplesmente quebrou.
Chegada da família real, tela de Cândido Portinari.
SIMPLES PRESENÇA
Ainda que nada tivesse feito pela economia brasileira, a simples
presença da corte no Rio de Janeiro já promovia o desenvolvimento de
toda a colônia. O aumento da demanda por todo tipo de insumo, provocada
pelos 15 mil portugueses que subitamente se instalaram na cidade, fazia o
comércio girar como nunca. “A necessidade de alimentos levou a um
crescimento muito grande na produção em várias regiões”, diz Marcondes.
“No ano de 1806, o Vale do Paraíba, em São Paulo, enviou 7,7 mil cabeças
de gado para o abate no Rio de Janeiro. Em 1810, esse número havia
saltado para 13,5 mil cabeças.”
A abertura de estradas, que também era proibida até a chegada da
corte, agora estava autorizada. Aquelas que já existiam foram
melhoradas. Mas eram poucas. A nova sede do império precisava de mais.
Elas foram abertas principalmente nas regiões que hoje correspondem a
Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. E isso tem tudo a ver com o
fato de, hoje, a região Sudeste ser a mais desenvolvida do país. “Antes,
abrir estradas era proibido porque a Coroa temia o contrabando de ouro e
diamantes”, explica a professora Luciana Lopes, do Núcleo de Estudos de
Demografia Histórica da USP.
O desafio de abastecer a capital do império fez florescer o comércio
de cabotagem, que estimulou o desenvolvimento de várias cidades
costeiras. Produtos de lugares distantes – como charque do Rio Grande do
Sul e madeira da Bahia – chegavam ao Rio de Janeiro pelo mar. “A vinda
da família real não foi exatamente o início do desenvolvimento
econômico, pois já havia alguma atividade na colônia”, diz Luciana. “Mas
funcionou como um grande catalisador, acelerando as transformações.”
Esse desenvolvimento acelerado da colônia acabaria se revelando um tiro
no pé de dom João. Em pouco tempo, o Brasil começaria a sentir-se
totalmente preparado para se aventurar numa “carreira solo”.
Texto retirado da revista Aventuras na História, disponível em: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/brasil-milagre-crescimento-familia-real-portuguesa-435950.shtml
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