15 setembro 2014

Músicas contra a Ditadura Militar no Brasil

Tem muitas músicas emblemáticas que marcaram a luta ideológica contra a Ditadura Militar, escolhi aqui apenas algumas, que são importantíssimas e devem ser conhecidas por todos que estudam esse período.

Pra não dizer que não falei das flores

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

(Geraldo Vandré, "Pra Não Dizer que não Falei das Flores", 1968)
 
Essa música é obrigatória em qualquer lista de músicas emblemáticas contra a Ditadura Militar. Pra Não Dizer que não Falei das Flores, composta em 1968, pelo paraibano Geraldo Vandré, fez com que os militares censurassem a canção por fazer clara referência contrária ao governo ditatorial. 

O refrão “Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer” foi considerado um verdadeiro chamado às ruas contra os ditadores.

Além do refrão, a estrofe “Há soldados armados/Amados ou não/Quase todos perdidos/ De armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/ Uma antiga lição/ De morrer pela pátria/ E viver sem razão” é uma das mais explícitas das produções musicais no momento. Não faz rodeios. Vai direto à crítica aos militares.

O sucesso da canção é atribuído aos mais diversos fatores: a rima de fácil assimilação e que “gruda”; a melodia em forma de hino, o que acaba por se tornar mais uma provocação ao regime; além de retratar os desejos e anseios da geração da época. Ao lado, uma gravação histórica de Vandré cantando a canção no Maracanãzinho, em 1968, que inclui uma severa crítica aos militares no início e uma série de vaias provindas da arquibancada.

O clip que coloco aqui tem imagens de vários lugares e épocas, demonstrando que a luta contra a tirania e a violência ainda é um problema e a música de Vandré continua sendo atual. 
 


No woman, no cry

No, woman, no cry, no woman, no cry (Bis)
Bem que eu me lembro, a gente sentado ali
Na grama do aterro sob o sol
Ob... observando hipócritas
Disfarçados, rondando ao redor

Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais
Nas recordações retratos de um mal em sí
Melhor é deixar pra trás
Não, não chores mais... não, não chores mais (Bis)

Bem que eu me lembro, a gente sentado alí
Na grama do aterro sob o céu

Ob... observando estrelas, 
junto a fogueirinha de papel

Quentar o frio, requentar o pão, e comer com você
Os pés de manhã, pisar o chão
Eu sei, a barra de viver, mas se Deus quiser

Tudo, tudo, tudo vai dar pé! (Bis)
Tudo, tudo, tudo vai dar pé! (Bis)

No, woman, no cry, no, woman, no cry! (Bis)
Não, não chores mais ... menina não chore assim (Bis)

(Gilberto Gil, “No woman no cry”, 1979)


A versão que Gilberto Gil fez da música de Bob Marley é uma referência aos chamados “anos de chumbo” do governo militar, marcados pela violenta repressão do regime aos seus opositores.

Para quem não conhece a música ou quer ouvi-la novamente, segue um link:



Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

(Chico Buarque de Holanda, "Cálice", 1973)

A música, composta em 1973, só pode ser lançada cinco anos depois, devido à forte censura. Fazia um inteligentíssimo jogo de palavras entre “cálice” e “cale-se”. 
Além disso, faz claras referências ao regime da época em versos fortíssimos como “Quero lançar um grito desumano” fazendo referência às dores que os torturados sofriam e “quero cheirar fumaça de óleo diesel”, onde faz alusão à prática de tortura onde o preso era submetido ao processo de inalar fumaça de óleo diesel. O verso "Tanta mentira, tanta força bruta" refere-se à violenta repressão aplicada durante o Regime Militar.

Segue um clip bem feito com imagens da época utilizando a música Cálice:
https://www.youtube.com/watch?v=wV4vAtPn5-Q


Alegria Alegria

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento,
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não...

(Caetano Veloso, música "Alegria Alegria", 1967)



Lançada em 1967, a letra indica os abusos sofridos cotidianamente pelo cidadão. Seja nas ruas, nos meios de comunicação ou em qualquer parte do próprio país. Ela crítica várias mazelas que assolavam o Brasil no período através de inteligentes metáforas. Era o abuso de poder, a violência praticada pelo regime, o cerceamento da liberdade de expressão e até mesmo desníveis sociais.

Caetano ainda incluiu uma pequena citação do livro As Palavras, de Jean-Paul Sartre: "nada nos bolsos e nada nas mãos", que acabou virando "nada no bolso ou nas mãos". Isso revela a opção por uma luta política e ideológica não armada.
O movimento tropicalista abordava a necessidade de uma posição política consciente, direta e imediata frente ao avanço de um regime autoritário. O verso “sem lenço, sem documento” simboliza o clima de tensão vivido na época, na qual as pessoas precisavam esconder-se para manifestar suas opiniões políticas.
A música é um exemplo da mistura de várias influências artísticas de vanguarda (como o pop-rock e o concretismo), mesclando manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais.
O arranjo introduz a utilização de guitarras elétricas e foi fortemente influenciado pelo trabalho dos Beatles. Isso denota uma abertura a novas experiências e uma atitude irreverente diante dos padrões vigentes

Segue um clip bem feito com imagens da época utilizando essa música:
https://www.youtube.com/watch?v=hmK9GylXRh0
 

2 comentários:

  1. Olá Tathyana.
    Já enamorado de teu blogue, estou aqui novamente.
    Consegues de maneira tão lisa expor teu conhecimento, fico admirado, pois gostaria de ter esta destreza de sintetizar perfeitamente as coisas sem perder a essência.
    Visito, aprendendo e vejo que há muitas coisas boas neste mundo muitas vezes caótico que é a Internet, e para desejar-te um belíssimo fim de semana, com muita alegria e saúde.
    Respeitosamente um abraço aqui do sul.
    Pedro.

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    1. Caríssimo professor Pedro
      Agradeço o carinho de suas palavras!
      Minha intenção é fazer algo simples e acessível para meus alunos e outros curiosos pela História. Fico feliz de conseguir, ao menos um pouquinho, dessa minha empreitada.
      Abraços

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